EXCLUSIVO: Estudo do Aeroporto de PG está pronto há 11 anos, custou milhões e nada foi feito
O Portal aRede obteve os documentos que mostram a elaboração do EVT, concluído em 2014. O estudo, de 142 páginas, traz possibilidades de ampliação da pista e investimentos que deveriam ser realizados, bem como a possibilidade da construção de um novo aeroporto
Publicado: 12/02/2025, 10:55
![Voos da Azul serão suspensos a partir de março deste ano](https://cdn.arede.info/img/cover/550000/1000x500/aeroporto-0_00558926_0_202502121055.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.arede.info%2Fimg%2Fcover%2F550000%2Faeroporto-0_00558926_0_202502121055.jpg%3Fxid%3D1945714%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1739393892&xid=1945714)
Documentos obtidos com exclusividade pelo Portal aRede apontam que o Aeroporto Comandante Antonio Amilton Beraldo (Sant’Ana) já possui um Estudo de Viabilidade Técnica (EVT) há 11 anos. O documento foi elaborado pelo consórcio IQS Engenharia/PJJ Malucelli Arquitetura, entre dezembro de 2013 e março de 2014, a pedido da Secretaria da Aviação Civil (SAC), do Governo Federal. O estudo, entregue em 2014, detalha alternativas e soluções para que o local pudesse ser aprimorado para poder receber aeronaves de maior capacidade, os aviões ‘turbofans’ (popularmente conhecidos como ‘a jato’), e se tornar um aeroporto viável economicamente. O trabalho custou à época mais de R$ 30 milhões, que atualizados para valores de hoje passariam de R$ 66 milhões, pagos pelo Governo Federal através da SAC, via Banco do Brasil para a consultoria contratada.
Apesar da sua relevância até hoje a existência deste estudo era desconhecida por lideranças políticas e empresariais da cidade, o que certamente contribuiu para condenar o aeroporto de Ponta Grossa a uma situação vexatória no Estado em relação aos demais aeroportos, inclusive com a decisão anunciada na semana passada pela Azul Linhas Aéreas de cancelar os escassos voos comerciais, sob alegação de prejuízos financeiros. Até mesmo o prefeito da época em 2014, hoje deputado estadual Marcelo Rangel, afirma "não recordar" da existência deste estudo técnico. Mesmo custando milhões aos cofres dos contribuintes o estudo de 2014 ainda é ignorado, ao ponto que a contratação de um novo estudo - numa parceria entre Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SEI) e Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (Acipg) - é colocada hoje como condição para melhoria do aeroporto.
O EVT elaborado em 2014 apresenta 142 páginas e faz um detalhamento das condições da época do aeródromo, elaborando quatro alternativas para a ampliação da capacidade de passageiros. Para isso, fez quatro simulações com a operação de dois tipos distintos de aeronaves, ambas turbofan. As projeções foram feitas com aeronaves Airbus A319 e Boeing B737-800, com diferentes capacidades de operação (Peso Máximo de Decolagem), prevendo investimentos em ampliação de comprimento da pista, largura, construção de nova taxiway, novo pátio para aeronaves e um novo terminal de passageiros. Os investimentos previstos variavam entre R$ 66,7 milhões e R$ 261,6 milhões, à época.
A alternativa que demandava de menos investimentos era a adequação da pista para receber voos com a aeronave Airbus A319, com restrição em 80% de Peso Máximo de Decolagem, considerado como ‘Cenário 1’. O EVT apontou que para receber esse tipo de avião, não haveria a necessidade da ampliação da pista, apenas adequações, como a construção de áreas de giro nas extremidades e construção de duas RESAs (Área de Segurança de Fim de Pista), de 60m X 90m, uma em cada extremidade – hoje há uma, na cabeceira 26; mas antes não havia.
Para essa alternativa do ‘Cenário 1’, a estimativa de investimento era de R$ 66,7 milhões, sendo R$ 7,6 milhões para desapropriações e custos ambientais, R$ 5 milhões em aterro e drenagem e mais R$ 16 milhões em pavimentação, R$ 11 milhões para a construção de um terminal de passageiros e mais R$ 16,3 milhões em equipamentos. Não seria necessária a ampliação de pista pelo fato de que, segundo o estudo, com o avião com restrição em 80% do peso, ele poderia operar em uma pista com 1.330 metros – o Sant’Ana tem 1.430 metros de pista, sendo 1.340 metros operacionais, devido ao deslocamento de uma das cabeceiras.
Para os outros três cenários, o investimento previsto no terminal de passageiros sempre foi o mesmo (R$ 11 milhões), bem como semelhante para os equipamentos (entre R$ 16,3 e R$ 16,5 milhões), variando conforme o balizamento luminoso e sinalização vertical, de acordo o tamanho da pista. Cabe destacar que todas as opções de ampliação de pista, apresentadas nos outros três cenários, contemplaram a expansão para o lado da cabeceira 08, ou seja, para a que fica ao lado da rodovia PR-151. “O prolongamento para onde está previsto o crescimento longitudinal da PPD, conta com a instalação de área de extração de areia de grande porte. Segundo o Operador Aeroportuário, o proprietário da área já está ciente de que haverá interferência do aeroporto naquela área, caso haja investimento do Programa no aeródromo”, diz o documento.
O ‘Cenário 2’ previsto mantinha a operação dos A319, porém com capacidade de peso em 90%. Como a aeronave precisaria de 1.560 metros para operar nesse cenário, essa alternativa previa a ampliação da pista em 220 metros, passando por onde está hoje traçada a rodovia PR-151, avançando sobre uma área de extração de areia. Seu custo estimado seria de quase o dobro da proposta 1, de R$ 129,8 milhões. O novo pátio de aeronaves também teria 42 mil metros quadrados, como detalhado na proposta 1, para receber até oito aeronaves, assim como a largura da pista seria mantida em 30 metros, como é até hoje.
Os ‘Cenários 3 e 4’ previam a operação da pista com o Boeing B737-800, com 80% e 90% da capacidade de peso, sendo que para ambos haveria a necessidade da ampliação da pista, inclusive lateralmente, por serem aeronaves maiores. Para o cenário três, a pista seria ampliada em 460 metros, para ter os 1.800 metros necessários para receber os 737-800 com 80% de PMD, toda ela com uma largura de 45 metros. Com isso, a pista terminaria e teria a RESA próxima ao leito do Rio Tibagi. Seu valor seria de R$ 170,3 milhões.
O cenário mais extremo, o 4, previa a operação do Boeing com 90% de sua capacidade de peso. Nesse cenário, devido à elevada altitude do aeroporto (quase 800 metros), haveria a necessidade de 2.150 metros de pista, o que demandaria de uma ampliação de 810 metros em sua extensão, e mais 15 metros em sua largura (45 metros). O orçamento para essa obra, que passaria sobre o Rio Tibagi, seria de R$ 261,6 milhões. Só em desapropriações e custos ambientais, seriam R$ 87,6 milhões, além de R$ 85,2 milhões em terraplanagem. Todos esses cenários previam as condições mais extremas de operação das aeronaves, incluindo pista molhada e variações de temperatura.
Cidade poderia receber 4,2 mil voos em 2025
Conforme o estudo, após a conclusão das obras, e observando as projeções de demanda na cidade de Ponta Grossa, o EVT apontava que o Aeroporto Sant’Ana poderia receber, neste ano de 2025, uma média de 442 passageiros por hora em momentos de pico, com 4.286 voos estimados no ano, o que representaria uma média de quase 12 voos por dia (no caso do cenário 4).
Já para 2035, essa projeção era de 528 passageiros por hora em momentos de pico, com a estimativa de um fluxo de 7.961 aeronaves por ano – o que significaria cerca de 22 voos por dia. Neste caso, a projeção previa a movimentação de 142 mil passageiros por ano em 2035.
Estudo apontou que novo aeroporto seria mais viável
No final do documento, há uma decisão, que avalia uma série de pontos e critérios. Uma pontuação foi atribuída a cada um desses fatores decisivos, a após a análise, ficou constatado que o mais viável entre as alternativas apontadas, seria o ‘Cenário 3’. Ou seja: o que receberia os Boeing 737-800 com restrição de 80%, e seria capaz de operar outras aeronaves, como os Airbus A319 e Embraer E190/195. “Essa conclusão se dá em razão da necessidade de investimento para os cenários anteriores (mais baratos) e o cenário 3. Na razão da proporção, um aumento de 10m na PPD (Pista de Pousos e Decolagens), previsto no Cenário 1 não justificaria o investimento. Já o Cenário 2 traz uma diferença de apenas 4% para o Cenário 3 que, por sua vez, possibilita a operação de aeronave de maior porte”, aponta o EVT.
O documento também revelou que a rodovia poderia ter sua rota alterada. “O Operador Aeroportuário já tem negociadas as condições para o desvio da rodovia que corta a CAB07, a fim de atender ao incremento da pista e a melhora da operacionalidade da área”, descreve a conclusão.
Contudo, o próprio EVT aponta outra alternativa, que seria a mais viável de todas para o futuro, de acordo como estudo: a construção de um novo aeroporto na cidade. “Tendo em vista o significativo valor de investimento e o fato de o sítio se encontrar engessado entre uma rodovia, uma ferrovia, e áreas alagadas (com extração de areia) julga-se imperativa a análise de cenários alternativos. As alternativas seriam a análise de cenários para aeronaves de código 2C (menores) ou optar por um novo sítio aeroportuário. Tendo em conta que a demanda prevista para 2035 prevê maioritariamente aeronaves 3C e 4C, estudando cenários para aeronaves de código 2C, o sistema aeroportuário ficaria numa condição aquém da ideal”, indica o documento.
Por todos esses fatores, há a indicação pela construção de um novo aeroporto, em uma área que possa ter uma pista com mais de 2 mil metros, de modo a receber aviões de maior porte e com maior capacidade de transporte de passageiros. “A opção mais fiável é estudar uma nova localização para implantar o aeroporto, até porque a Administração Municipal já tem indicadas algumas áreas que atenderiam o Cenário 4, com um PPD (Pista de Pousos e Decolagens) de 2.150 metros”, conclui.
Elaboração de Evtea foi cogitada em reunião
A elaboração de um novo Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (Evtea) para o aeroporto Sant’Ana foi proposta no último encontro de lideranças regionais junto ao governo do Estado, no dia 6 de fevereiro, em Curitiba, que abordou alternativas para que o Aeroporto de Ponta Grossa pudesse voltar a receber voos comerciais. A mobilização ocorreu porque, há alguns dias, a Azul confirmou que deixará de operar em Ponta Grossa a partir de 10 de março, onde hoje atua com aeronaves turbohélice do modelo ATR-72, fazendo a rota para Campinas.
Na reunião, foi exposta a necessidade de Ponta Grossa ter uma pista que comporte aeronaves de maior porte, as ‘turbofans’, o que poderia ampliar o leque de alternativa de rotas, com outras companhias aéreas, inclusive diretamente para São Paulo (Congonhas). Para isso, Sandro Alex, Secretário de Estado de Infraestrutura e Logística, destacou a necessidade do Evtea, para verificar a possibilidade de ampliação da pista e trazer soluções definitivas para que Ponta Grossa possa receber aviões maiores, para solucionar esse problema.
Ao lado de Sandro, na mesa, estava sentado o deputado estadual Marcelo Rangel, que então era prefeito de Ponta Grossa, e ao lado dele, estava o Comandante C Hammer, que é consultor especialista. O nome de Hammer é um dos 29 que consta na equipe técnica que elaborou o EVT de 2014, apontando como “administrador – consultor independente”. Durante a reunião da última semana, esse estudo de 2014 não foi mencionado.
![Na reunião estavam ao lado de Sandro Alex, Márcia Huçulak, Marcelo Rangel e o Comandante C Hammer, o qual foi o consultor do EVT de 2014](https://cdn.arede.info/img/inline/550000/1000x500/Aeroporto-reuniao_00558926_1_202502121055.webp?fallback=https%3A%2F%2Fcdn.arede.info%2Fimg%2Finline%2F550000%2FAeroporto-reuniao_00558926_1_202502121055.jpg%3Fxid%3D1945716%26resize%3D1000%252C500%26t%3D1739393892&xid=1945716)
Estudos custaram R$ 30,7 milhões ao Governo Federal
Esse EVT foi elaborado entre dezembro de 2013 e março de 2014, a partir de um contrato assinado entre o Governo Federal, através do Programa de Investimento em Logística: Aeroportos", por meio da Secretaria de Aviação Civil, tendo como contratante o Banco do Brasil, e o consórcio IQS Engenharia/PJJ Malucelli Arquitetura. Esse consórcio ficou responsável pela elaboração de serviços técnicos de engenharia para elaboração de estudos e projetos para 59 aeródromos brasileiros. O valor do contrato, em 2013, foi de R$ 30,78 milhões (hoje em valores atualizados (R$ 66,336 milhões). Entre esses aeródromos estava o Aeroporto Comandante Antonio Amilton Beraldo, mais conhecido como ‘Sant’Ana’.
Cada EVT tinha um custo que variava entre R$ 61,3 mil e R$ 83,2 mil, de acordo com o porte do aeroporto – os custos para um aeroporto de médio porte foi de R$ 70,02 mil, por exemplo. Apenas com esses estudos, o Governo Federal aplicou R$ 4,98 milhões – o restante foi destinado para outros serviços, como estudos preliminares, anteprojetos, projetos executivos, etc.
O EVT de Ponta Grossa foi realizado por uma equipe técnica de 29 especialistas, de diferentes áreas, como arquitetos, engenheiros civis, eletricistas e ambientais, engenheiro aeronáutico e consultores independentes especialistas em aviação. Ele foi elaborado em 90 dias, conforme previa o contrato, submetido ao Banco do Brasil no dia 13 de março, junto com os EVTs de outros três aeroportos paranaenses: Cascavel, Francisco Beltrão e Umuarama. O documento final foi fechado no dia 25 de março e devidamente concluído no dia 27 de março, após uma solicitação de correção por parte do Banco do Brasil.
No dia 28 de março de 2014, o EVT foi entregue à Secretaria de Aviação Civil. No documento, houve a solicitação de que houvesse a escolha de um dos cenários indicados no EVT para que o Estudo Preliminar (EP) pudesse ser elaborado.
Aeroporto de Cascavel ‘decolou’ desde 2014
Assim como o Aeroporto de Ponta Grossa, o Aeroporto de Cascavel foi um dos incluídos no plano de projetos do Governo Federal. Desde então, o local passou por uma grande transformação: com investimentos de aproximadamente R$ 30 milhões, o local ganhou um novo terminal de passageiros, além de adequações na pista. Essas obras foram iniciadas em 2014, interrompidas em 2015 e retomadas em 2019, concluídas em 2020. A Azul começou a operar com aviões a jato no local em 2019, seguida pela Gol. Em 2022 o local passou a receber voos também da Latam.
Com os novos aviões e novos voos, o número de passageiros no aeroporto de Cascavel multiplicou. Dos pouco mais de 135 mil registrados em 2018, o total passou para 227,8 mil em 2019. Em 2024, o aeroporto registrou 408,3 mil passageiros, com mais de 11 mil movimentações de pousos e decolagens. Entre os destinos hoje operados pelas companhias aéreas em Cascavel estão Curitiba, Campinas, Guarulhos e Maceió. Para esta quarta-feira (12), por exemplo, são seis voos agendados.